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Educação financeira: Metade dos trabalhadores não consegue sustentar o salário até o fim do mês, aponta estudo

Educação financeira precoce é vista como a chave para quebrar o ciclo de endividamento e insegurança econômica que atinge milhões de famílias.

Mesmo com sinais tímidos de recuperação econômica e ligeiras melhorias no mercado de trabalho, a realidade financeira da maioria dos brasileiros segue em situação delicada. Um novo levantamento realizado pela SalaryFits, empresa do grupo Serasa Experian, em parceria com a Pesquisa de Saúde Financeira e Bem-Estar do Trabalhador Brasileiro 2025, revelou que 54% dos trabalhadores formais ou autônomos com CNPJ não conseguem chegar ao fim do mês com o salário integral.

O dado, embora mostre um avanço em relação ao ano anterior — quando o percentual era de 62% —, continua a evidenciar um quadro estrutural de fragilidade financeira, marcado pelo endividamento, pela falta de controle orçamentário e pelo alto custo de vida no país.


Cenário de alívio ainda tímido

Segundo a pesquisa, o recuo de oito pontos percentuais em relação a 2024 indica uma leve melhora no equilíbrio das contas pessoais, mas não suficiente para sinalizar uma reversão sólida na saúde financeira dos brasileiros.

“Ainda há um descompasso entre renda e custo de vida. Mesmo quem conseguiu renegociar dívidas ou melhorar a renda sente o peso da inflação acumulada e dos compromissos fixos”, avalia o economista Rafael Gama, consultor da Serasa Experian.

O estudo destaca que o aumento da inadimplência, a pressão inflacionária sobre alimentos e moradia, e o encarecimento do crédito pessoal são fatores que mantêm os orçamentos domésticos no limite. Segundo o Banco Central, o crédito rotativo do cartão — uma das principais fontes de endividamento — já ultrapassa 450% ao ano em juros efetivos.


Falta de controle financeiro e vulnerabilidade emocional

Educação financeira

A pesquisa também revela outro ponto preocupante: apenas dois em cada dez brasileiros afirmam ter controle total sobre suas finanças. Isso significa que 80% da população economicamente ativa vive sem um planejamento financeiro efetivo, o que gera instabilidade, ansiedade e um ciclo recorrente de dívidas.

Essa fragilidade reflete diretamente no bem-estar mental. O levantamento mostra que:

  • 66% dos entrevistados relatam níveis elevados de estresse relacionados às finanças pessoais;
  • 43% mencionam irritabilidade constante;
  • 39% afirmam sofrer insônia ou distúrbios do sono provocados por preocupações financeiras.

A psicóloga comportamental Lívia Torres, especialista em economia emocional, explica que o dinheiro está no centro da vida social e, portanto, influencia diretamente a saúde mental.

“A falta de previsibilidade financeira impacta a autoestima, as relações familiares e até o desempenho no trabalho. O estresse econômico é uma das principais causas de ansiedade no Brasil moderno”, afirma.


O desafio de lidar com imprevistos

O estudo também chama atenção para o baixo nível de reserva de emergência dos brasileiros. Apenas 25% dos trabalhadores disseram que conseguiriam enfrentar uma despesa inesperada de R$ 10 mil sem precisar recorrer a empréstimos, cartões de crédito ou ajuda de familiares.

Entre os demais, a dependência de crédito imediato é a regra — o que reforça o círculo vicioso de endividamento. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), mais de 70% dos pedidos de empréstimos pessoais em 2025 tiveram como finalidade o pagamento de dívidas anteriores, e não novos investimentos ou consumo planejado.

Essa dinâmica cria o que os economistas chamam de “bola de neve financeira”, em que o indivíduo contrai novas dívidas para quitar antigas, comprometendo o orçamento de longo prazo.


O peso do custo de vida nas prioridades do orçamento

A pesquisa da SalaryFits detalha que a maior parte da renda mensal dos brasileiros é absorvida por despesas básicas, como alimentação, transporte, moradia, energia elétrica e gás de cozinha.
Em seguida vêm as parcelas de financiamentos, empréstimos, mensalidades educacionais e gastos com saúde.

Essas despesas fixas — muitas delas inadiáveis — comprimem o espaço para poupança, lazer e investimentos, o que reduz a capacidade de planejamento futuro.

O economista Edgar Abreu, educador financeiro e professor, resume o dilema:

“O trabalhador brasileiro não é necessariamente desorganizado. Ele apenas tem uma renda curta demais para o tamanho de suas obrigações. Isso cria um comportamento de sobrevivência, e não de planejamento.”


Quando o salário não basta: o retrato da renda complementar

Para tentar equilibrar as contas, 49% dos entrevistados afirmam recorrer a fontes extras de renda, como trabalhos freelancers, revendas, entregas por aplicativos, apoio de familiares ou uso recorrente do limite do cartão.

Entre os autônomos e microempreendedores individuais (MEIs), a situação é semelhante: boa parte recorre ao crédito rotativo ou ao adiantamento de recebíveis para sustentar o fluxo de caixa mensal.
Segundo dados da Serasa, mais de 36 milhões de brasileiros utilizam alguma forma de trabalho paralelo, uma tendência que cresceu com a informalidade e o avanço da economia digital.

Contudo, essa multiplicação de “bicos” nem sempre traz estabilidade.

“A renda extra ajuda, mas muitas vezes vem acompanhada de exaustão e sobrecarga. O trabalhador multiplica suas jornadas e ainda assim não consegue poupar”, observa Abreu.


O impacto na produtividade e nas empresas

O levantamento também revela que a preocupação com dívidas e contas afeta diretamente o rendimento profissional.
Empresas participantes do estudo relataram aumento de absenteísmo, queda de produtividade e até rotatividade entre funcionários em situação de aperto financeiro.

De acordo com a Confederação Nacional da Indústria (CNI), os problemas pessoais ligados ao endividamento representam uma das cinco principais causas de queda de performance no ambiente de trabalho.

Nesse contexto, programas de educação financeira corporativa têm ganhado espaço como política de bem-estar e retenção de talentos.
Empresas como bancos, fintechs e até indústrias têm implementado palestras, consultorias e plataformas de controle de gastos voltadas a seus colaboradores.


Educação financeira desde a infância: uma solução de longo prazo

Para o educador Edgar Abreu, a saída mais eficaz está na formação financeira precoce — ou seja, ensinar crianças e adolescentes a lidar com dinheiro de forma prática e responsável.

“O verdadeiro aprendizado não está em acumular, mas em entender o fluxo entre consumo e poupança. Antes de guardar, a criança precisa aprender o valor do gasto e o limite do crédito”, explica.

Abreu defende um conceito que chama de “despesada” — uma mesada acompanhada de pequenas responsabilidades financeiras, como pagar parte da internet ou da conta de luz.
Segundo ele, isso cria um senso de valor e de consequência, além de preparar as novas gerações para administrar receitas e despesas com autonomia.

“Educar financeiramente é mais do que ensinar a economizar. É ensinar a pensar antes de gastar. Isso muda o comportamento, e o comportamento muda o futuro”, reforça o especialista.


O peso cultural do consumo e o ciclo de endividamento

Outro aspecto abordado pelos especialistas é a cultura do consumo imediatista no Brasil.
Com a facilidade de crédito e o apelo publicitário constante, grande parte da população é incentivada a gastar mais do que ganha — especialmente em datas sazonais, como Natal, Black Friday e Dia das Mães.

Esse comportamento é reforçado pela ausência de políticas públicas consistentes de educação financeira e pela baixa taxa de poupança nacional, que hoje gira em torno de 15% do PIB, uma das menores entre países emergentes.

“O brasileiro foi ensinado a consumir, não a planejar. A lógica é sempre suprir o desejo imediato, mesmo que isso comprometa o amanhã”, analisa a economista Carla Macedo, da Fundação Dom Cabral.


Políticas públicas e papel das instituições

Nos últimos anos, o governo e o Banco Central têm buscado incluir a educação financeira no currículo escolar e estimular a inclusão bancária por meio de programas como o Pix, Open Finance e o Registro de Recebíveis.

Essas ferramentas, além de ampliar o acesso ao sistema financeiro formal, ajudam o consumidor a ter mais visibilidade sobre seus gastos, consolidando dados de diferentes instituições em um único ambiente.

Entretanto, especialistas ressaltam que ainda falta uma política nacional robusta que una governo, escolas e empresas privadas em torno da alfabetização financeira contínua.

“Não basta abrir uma conta digital. É preciso ensinar o que fazer com ela. Tecnologia sem educação apenas acelera erros”, resume Abreu.


Conclusão: uma geração à beira do limite financeiro

Os números do estudo da SalaryFits/Serasa Experian escancaram uma realidade que mistura avanços tímidos e velhos desafios.
O trabalhador brasileiro de 2025 ainda vive no limite entre a sobrevivência e o endividamento, tentando equilibrar um orçamento que não acompanha o custo de vida.

Com mais da metade da população sem conseguir sustentar o salário até o fim do mês, o país enfrenta não apenas uma questão econômica, mas um problema social e psicológico profundo.
A falta de reserva financeira, combinada ao estresse constante e à dependência do crédito, cria um cenário que exige soluções estruturais-começando pela educação financeira como política de Estado.

Educar financeiramente é, na verdade, uma forma de emancipação social.
Quem entende de finanças pessoais tem mais liberdade, menos medo e mais futuro”, conclui Edgar Abreu.


Resumo do cenário atual:

  • 54% dos trabalhadores não chegam ao fim do mês com o salário;
  • 66% sofrem estresse e 39% relatam insônia por questões financeiras;
  • 49% dependem de renda extra ou crédito;
  • Apenas 25% têm reserva suficiente para emergências;
  • Educação financeira e mudança de comportamento são apontadas como caminhos para quebrar o ciclo da dívida.

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